Exemplo do sincretismo religioso que caracteriza a Bahia e, mais especificamente, a cidade de Salvador, o cortejo do Bonfim também dá lugar a manifestações de caráter político, social e ambiental. Prevista para começar às 8h desta quinta-feira (12) com uma cerimônia inter-religiosa na Igreja da Conceição da Praia, no Comércio, a festa reunirá este ano 36 entidades folclóricas e culturais, seis a mais que em 2016. Além disso, estarão presentes os principais nomes do cenário político baiano, a exemplo do govenador Rui Costa (PT), que participará da festa pela segunda vez desde que assumiu o Executivo baiano, e do prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).
Estimulado por Antônio Carlos Magalhães (morto em 2007), o presidente municipal do Democratas, Heraldo Rocha, participa da Lavagem do Bonfim há 30 anos, mas garante que vai como cidadão, e não apenas como político. “É uma manifestação não partidária. E meus filhos vão comigo com esse mesmo sentimento. Aprendi a participar com ACM, que tinha respeito e admiração, e eu continuo tendo”, conta, relacionando a data com o desfile do Dois de Julho, cujo caráter político é muito mais palpável. “Vejo o Dois de Julho como uma manifestação política. Na Lavagem do Bonfim, vamos para a rua louvar. O dia 12 de janeiro é uma manifestação ecumênica. Nunca faltei. Quando passei no vestibular, fui com minha mãe de Brotas até lá”, relembra.
Para a vereadora e ex-presidente municipal do PT, Marta Rodrigues, a festa de 2017 adquire um peso maior devido à atual conjuntura política e econômica. “Estamos vivendo um momento de estresse muito grande no Brasil. Como diz o ditado, quem tem fé vai a pé”, disse. “A população também comparece pedindo a proteção e para afirmar as suas propostas, e nisso entram os partidos, as centrais sindicais, os movimentos negros… Participo há muito tempo. Rui e ACM Neto vão estar lá e a população vai avaliando também. No percurso todo vai testando a popularidade”, completou.
Logo após a cerimônia, fiéis começarão o percurso de oito km até a Colina Sagrada. Em frente à Basílica do Bonfim, membros da igreja receberão os peregrinos ao som de cânticos religiosos para dar início à celebração, que será ministrada pelo pároco Edson Menezes. A lavagem do adro está marcada para as 12h.
Uma série de pesquisadores ainda tenta compreender as nuances culturais, étnico-religiosas e políticas que vicejam durante o cortejo. Para Luiz Américo Bonfim, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), o evento “sempre foi um espaço para disputas pelo território político-partidário municipal e estadual. A recepção às autoridades do governo é sempre um termômetro de sua aceitação, desde a saída na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no bairro do Comércio”.
No artigo ‘Lavagem do Bonfim: entre a produção e a invenção da festa’, o professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Eduardo Alfredo Morais Guimarães, elege o ano de 1987 como um divisor de águas na tradição, quando o governador eleito pelas oposições, Waldir Pires, foi o “ponto focal” da festa. “A lavagem ocorreu em um momento importante da vida política do Estado da Bahia e o rito adquiriu, então, um sentido claro de ‘liturgia política’, como um momento de ‘sagração’ de uma ‘nova ordem’ construída a partir da vitória da oposição nas eleições para o Governo do Estado”, escreve.
Já o cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Joviniano Neto, acrescenta que a ocasião em si é vista por grupos sociais e políticos como oportunidade para afirmarem ideologias. “Funciona como mostruário e termômetro político e popular, e para reafirmarem suas identidades. Em anos eleitorais, isso se torna mais intenso. Na Bahia, a Lavagem também chamou uma maior atenção, porque os grupos querem se autoafirmar no atual cenário. 2017 vai ser um ano de luta política contra a reforma trabalhista e a reforma da previdência, por exemplo. E o prefeito e o governador vão sair sob a perspectiva do termômetro para 2018”, avalia.
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