segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Livro de Araciense, “Céus e terra” tem crítica positiva em O Globo

Últimos vencedores do Prêmio Sesc, os escritores José Mario Rodrigues (na janela) e Franklin Carvalho em Paraty, durante a Flip 2016 - Bárbara Lopes / Agência O Globo Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/critica-ceus-terra-receita-para-se-fazer-um-monstro-20739157#ixzz4VHTPs4Sd  © 1996 - 2017. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
Últimos vencedores do Prêmio Sesc, os escritores José Mario Rodrigues (na janela) e Franklin Carvalho em Paraty, durante a Flip 2016 – Bárbara Lopes / Agência O Globo
Ser vencedor no Prêmio Sesc de Literatura não é tarefa simples. A última edição do tradicional concurso para novos autores recebeu um total de 1.503 inscrições, incluindo o livro de contos “Receita para se fazer um monstro”, do professor pernambucano Mário Rodrigues; e o romance “Céus e terra”, do jornalista baiano Franklin Carvalho. Os dois livros refletem bem o espírito do prêmio: oferecer a autores com potencial e pouca publicidade um ponto de partida para voos futuros.
Crítica de “Céus e Terra”
“Céus e terra”, o livro “feito para enganar a morte”, abre com a decapitação do protagonista e narrador Galego, ou Menino sem Cabeça, como o recordariam os habitantes da pequena cidade do sertão baiano onde o romance se passa. Ainda que defuntos autores não sejam estranhos à literatura brasileira, Carvalho opta não por um narrador centrado em suas próprias memórias, mas por um narrador-fantasma — e literalmente um fantasma, podemos supor — que vaga pela cidade observando seus habitantes, seus segredos e suas misérias. A alta voltagem do primeiro capítulo dá então lugar a uma narração comedida, de uma beleza vagarosa que se mantém, com poucas perturbações, até o fim. O que muda é a percepção do povoado a respeito de um menino de baixo status social que, depois de morto, começa a ser visto como um santo local. Os milagres que lhe são atribuídos, junto ao fato de ter sido decapitado em frente a um homem crucificado, entrelaçam o retrato da vida no local com reflexões sobre a religiosidade popular, sobre o vácuo em que vive Galego em contraste com suas expectativas como católico e, previsivelmente, sobre a enigmática figura do Crucificado.
Crítica de “Receita para se fazer um monstro”
Já a crueldade é o eixo ao redor dos quais giram as séries de contos curtos que compõem “Receita para se fazer um monstro”. Concentrados nas memórias da infância do narrador e protagonista nos anos 80, os relatos se baseiam em sua maioria numa violência física crua dirigida a minorias, sejam elas de classe social, raça, gênero, espécie, deficiência física, e outras. O livro joga com o double bind construído sobre a impossibilidade ética de aceitar o personagem e a necessidade narrativa de adotar seu ponto de vista. Em seus melhores momentos, os textos dialogam com autores como Veronica Stigger e Michel Laub. Nos piores, o narrador declara e repete sua falta de empatia e seu sadismo — um “monstro”, como o define o título do volume —, o que configura algo como um autojulgamento e pressupõe a rejeição dos leitores. Não seria mais efetivo deixá-los lidar sozinhos com os dilemas éticos que a relação leitor-personagem apresenta?
Ambas as obras vendedoras do prêmio
Apesar das diferenças, as duas obras têm como claro ponto de interseção a descoberta do sofrimento e da morte num tom nostálgico de memórias da infância. Donos de estilos sóbrios, os dois autores apostam num efeito de acumulação, seja pela multiplicidade de personagens e casos da cidade pequena, seja pela sequência de narrações curtas de atos violentos. E mostram que 2016 foi um bom ano, ao menos para o Prêmio Sesc.
* Crítica de Victoria Saramago para O Globo. Ela é professora adjunta no Departamento de Línguas e Literaturas Neolatinas da Universidade de Chicago
“Céus e terra”Autor: Franklin Carvalho.Editora: RecordPáginas: 208Preço: R$ 29,90Cotação: Bom

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