Dos 29 países que correspondem a 82% da carga global de tuberculose, ou seja, que apresentam o maior número de casos da doença proporcionalmente à população, o Brasil está mais próximo do padrão positivo de políticas para o setor. Isso significa que o país está mais de acordo com as recomendações internacionais, adotando ou tentando implementar políticas sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e mostrando avanço nas melhores práticas. O Brasil, por exemplo, usa tecnologias mais modernas para o diagnóstico da doença e inicia o tratamento nas unidades básicas de saúde, conforme sugerido pelos órgãos internacionais.
Essa é uma das conclusões da terceira edição do relatório Out of Step (Descompasso, em português), divulgada hoje (5) pela organização médico-humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) e a Stop TB Partnership. O documento destaca a necessidade de os governos aumentarem os esforços de combate à tuberculose que, em 2015, matou 1,8 milhão de pessoas no mundo.
O médico Felipe Carvalho, da Campanha de Acesso a Medicamentos da MSF, observou que o relatório apresenta dois fatos alarmantes. Um deles é que 40% das pessoas com a doença não estão recebendo sequer o diagnóstico. “Essa é uma lacuna terrível, levando em conta que a tuberculose é a doença infecciosa que mais mata no mundo. É muito grave”.
O trabalho mostra ainda que apenas sete países (Armênia, Belarus, Brasil, Geórgia, África do Sul, Suazilândia e Zimbábue) avançaram no sentido de usar as ferramentas mais modernas e eficientes de diagnóstico disponíveis atualmente, que incluem o teste molecular rápido Xpert MTB/RIF. “O Brasil está entre esses países”, disse Carvalho. Com base na diferença entre a incidência estimada de tuberculose e os casos que foram notificados, verificou-se que 4,3 milhões de pessoas com a doença não foram diagnosticadas em 2015.
O documento chama a atenção para o fato de que apesar da existência de medicamentos novos, desenvolvidos contra a tuberculose, principalmente para as formas resistentes, que causam mais mortes, do total da população que poderia receber esses produtos no ano passado, “só 5% receberam até hoje, no mundo inteiro”, disse o médico da MSF. Do total de países analisados, 79% incluíram a nova droga bedaquilina nos seus protocolos nacionais e 62% incluíram o delamanid.
O problema afeta também o Brasil. “Pouca gente está conseguindo receber no país esses medicamentos novos”. Felipe Carvalho disse que não se trata de um problema de gestão, porque são remédios caros, que estão registrados em poucos países e para os quais há pouca pesquisa e informação sobre como podem ser usados. “Tem toda uma questão de mercado, que dificulta que mais gente possa ser incluída nos programas”. No Brasil, esses medicamentos não fazem parte ainda dos protocolos de saúde.
Carvalho afirmou que o acesso a medicamentos mais avançados para tratamento da tuberculose é um dos problemas a serem enfrentados pelos países. “É uma questão que também afeta o Brasil e deveria ser prioridade na agenda”, sugeriu o médico. A organização MSF defende que sejam feitas pesquisas mais colaborativas entre os países, que atestem como esses medicamentos podem ser incorporados a outros, uma vez que o tratamento é feito com vários remédios simultaneamente. “Na tuberculose, a gente usa vários medicamentos, porque a bactéria é super versátil e se adapta ao tratamento; então, tem que atacá-la com vários medicamentos de uma vez”. Sem saber como os remédios novos interagem com os outros, fica difícil fazer um novo regime para os pacientes, ponderou.
Por isso, a MSF espera que na próxima reunião de lideranças do G20 (grupo que reúne as 20 principais economias industrializadas e emergentes do mundo), que ocorrerá nos dias 7 e 8 deste mês em Hamburgo, na Alemanha, que haja a percepção de que é preciso priorizar a tuberculose, o desenvolvimento de novos medicamentos, e que isso seja feito com uma abordagem também nova. “Se a gente continuar com essa mesma forma de fazer as coisas, só vai ver o problema da tuberculose crescer e ficar cada vez mais pior”.
O lançamento no Brasil, no fim de junho passado, do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, em que o governo assumiu o compromisso de reduzir a incidência da doença, reforça a necessidade de uma nova postura na pesquisa, comentou Felipe Carvalho. O Brasil conseguiu baixar os índices de incidência de tuberculose e de mortalidade, mas novas metas foram estabelecidas pela OMS. “É um trabalho contínuo”, acrescentou.
Em termos de incidência da doença, o Brasil reduziu de 37,9 casos por 100 mil habitantes, em 2007, para 33,7 casos por 100 mil habitantes, no ano passado, e a meta é cair para dez casos por 100 mil pessoas, até 2035. Em relação à mortalidade, o compromisso assumido pelo país é chegar a menos de um óbito por 100 mil habitantes em 2035. O país reduziu o coeficiente de mortalidade de 2,6/100 mil, em 2006, para 2,3/100 mil, em 2015. O médico da MSF ressaltou, entretanto, que metas são só um estímulo. “O ideal é alcançar e ultrapassar. A gente quer que todo mundo seja atendido e curado”.
Carvalho reiterou que não basta só fazer pesquisa, mas que ela tem de ser feita de modo que os medicamentos sejam combinados desde cedo, em regimes que realmente derrotem a doença de forma rápida, sem muitos efeitos colaterais para os pacientes, com esquemas simples de usar e mais toleráveis. “A gente espera que se tiver mais cooperação no campo da pesquisa, se os países investirem mais, possa haver um tratamento que sirva para qualquer forma de tuberculose, que combata qualquer tipo da doença”.
O relatório revela que apenas 13 dos 29 países analisados, ou 45% do total, tornaram disponíveis tratamentos mais curtos para os pacientes. De acordo com o trabalho, o tratamento da tuberculose resistente que, em alguns casos, exige que o paciente tome 15 mil comprimidos em dois anos, pode reduzir esse período para nove meses, facilitando assim que essas pessoas retomem sua vida normal mais rapidamente. O Brasil está fora desse grupo de países. “O tratamento tem que ser em prazo mais curto”. Mas isso ainda está em fase de avaliação, ainda incipiente, reconheceu Carvalho. Ele considera que um tratamento longo, que não cura, “é o pior cenário possível”.
Para o médico, um dos principais problemas é o paciente abandonar o tratamento. O relatório tem o objetivo de fazer com que os países usem as melhores ferramentas disponíveis para que os pacientes tenham resultados positivos.
Entre os pontos negativos no combate à tuberculose no Brasil, o especialista citou que o país ainda não conseguiu incorporar uma dose fixa pediátrica, isto é, uma formulação para crianças que seja mais simples de ingerir, como um comprimido único. O Brasil segue no protocolo nacional as recomendações da OMS, feitas em 2014, para o tratamento de crianças. A dose fixa foi lançada há pouco tempo no mundo, alguns países já adotaram, e o Ministério da Saúde brasileiro está analisando sua incorporação no protocolo, informou o médico. Atualmente, dependendo do peso da criança, o tratamento envolve mais de um medicamento.
A mesma dificuldade ocorre em relação aos medicamentos novos, relacionada à forma com que a inovação e o mercado em torno do tratamento da doença estão montados. Isso não é benéfico para os pacientes, disse Carvalho. “O que é inovador, o que é melhor, não está chegando para quem precisa”. A MSF defende que haja uma mudança estrutural na pesquisa e nos preços, para que ocorra uma melhora no tratamento da doença no Brasil, em especial. “Fazendo isso, o Brasil ajuda outros países também”.
A expectativa da MSF é de que o tratamento da tuberculose seja tratado na reunião de presidentes e chefes de Estado do G20 como um desafio comum, uma questão coletiva, e que haja prioridade política para o combate à doença. “Todo o arsenal que a gente tem para combater essa doença está muito limitado ainda. Se ela não virar prioridade, a situação não vai mudar. A gente espera que a reunião do G20 seja um canal para o combate à tuberculose ser colocado à mesa”.
Dados fornecidos pela MSF mostram que 10,4 milhões de pessoas com tuberculose vivem em países representados no G20. “Isso significa 54% das pessoas vivendo com tuberculose no mundo. É mais um reforço da necessidade de esses países terem algum tipo de liderança no tema”, concluiu Carvalho.
FONTE: Agência Brasil
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