Fotos: Angelino de Jesus/ OAB-BA
A expressão "mero dissabor" - que poderia expressar que uma pessoa sofreu apenas um leve aborrecimento - tem deixado muitos advogados aborrecidos, principalmente os que atuam no Sistema de Juizados Especiais da Bahia. Isso porque eles acreditam que houve uma banalização do termo, que tem sido aplicado em larga escala em sentenças judiciais. O problema do "mero dissabor" nos Juizados Especiais, aliado às baixas indenizações, é tão grave que foi tema de um painel de discussão durante a 6ª Conferência Estadual da Advocacia, realizada em Salvador nesta terça-feira (17). De acordo com o advogado Ubirajara Ávila, presidente da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Vitória da Conquista, é preciso separar o que são coisas corriqueiras, cotidianas, que são aborrecimentos, do que realmente causa sofrimento e humilhação. “Existem muitas situações que, embora não tenham uma repercussão muito grande, criam um dano moral para a pessoa que precisa ser indenizado. O que nós condenamos é colocar tudo como mero dissabor, que são questões rotineiras, mas nem tudo pode ser considerado normal”, diz. Um exemplo dado por ele, que é uma situação comum, é a negativação, quando uma empresa suja o nome de uma pessoa por falta de pagamento, mesmo quando o pagamento foi realizado. “Como entender que isso não cria constrangimento? É óbvio que cria constrangimento. Chegar para fazer uma compra e seu nome estar negativado, chegar a um banco e saber que tem uma lei municipal que estabelece o atendimento em 15 minutos, e esperar mais de 4h, aquilo lhe cria um dano, isso não é mero dissabor”, explica. Ubirajara ainda diz que os magistrados entendem que o mal atendimento é a rotina e o “desconforto é a regra”, ao aplicar o termo "mero dissabor".
Além da banalização do entendimento do que é "mero dissabor", o advogado critica o baixo valor das indenizações quando elas são reconhecidas e fixadas, por ser lesiva para os advogados e para as partes. Para ele, as quantias baixas estimulam as empresas a continuarem praticando atos ilícitos, pois é mais barato pagar a indenização. “Os juizados sempre foram porta de entrada para a advocacia iniciante, por serem atos mais simples, menos complexos. As indenizações são de onde os advogados retiram seus honorários e os valores baixos dificultam a advocacia iniciante. Isso também é ruim para a advocacia para empresas. Se as empresas sabem que vão ser condenadas com um valor muito pequeno, consequentemente, não é interessante remunerar bem o advogado, diante dessas circunstâncias. Muitas empresas preferem, a depender de onde a ação tramita, ser revel [descumprir a ordem], pois a contratação de um advogado pode ser mais cara que a indenização”, avalia. O mesmo entendimento é compartilhado por Vanessa Lopes, presidente da Comissão de Juizados. “Isso lesa os advogados que militam nos juizados, mas, sobretudo as partes, que são lesadas duplamente, não somente pela empresa, mas, principalmente, na Justiça, que é a última esperança dela”, pontua, complementando que quem ganha com isso são as grandes empresas. Ubirajara diz que a medida também desestimula a população a buscar seus direitos na Justiça, já que o Juizado Especial é um sistema de Justiça mais próximo, criado para resolver um conflito de forma célere, prestigiando a conciliação. “Nem todas as pessoas conseguem, ao fim e ao cabo, contratar um advogado e intentar a ação. Antes disso, temos aquelas pessoas que são cobradas indevidamente, e acabam por pagar para se livrar do problema, aquelas que procuram os órgãos de restrição ao crédito, e aqueles que realmente ingressam com uma ação, que acaba com uma indenização pífia. Isso é um desestímulo para que o cidadão corra atrás dos seus direitos. Há um aspecto social por detrás dessa questão e nós precisamos levantar essa bandeira”, assevera. Para Vanessa, as baixas indenizações é que são responsáveis por alimentar a suposta “indústria do dano moral”. “Quando você pune as empresas com indenizações altas e reiteradas, e isso vai aumentando progressivamente, obviamente que elas vão aplicar políticas que diminuam aquela conduta lesiva aos consumidores. Vale muito mais a pena para a empresa pagar uma indenização de R$ 300 e continuar lesando o consumidor do que o inverso. O lucro dela é maior. A Justiça, absolvendo esse tipo de conduta, só faz majorar isso”, pondera. A intenção de Ubirajara e de Vanessa é que a sociedade saiba que, quando uma indenização baixa é proferida por um juiz, ela não é culpa do advogado, e sim do Judiciário, que não cumpre o seu papel de caráter preventivo e pedagógico. Eles ainda criticam que o Juizado Especial não estimula mais acordo entre as partes, já que as empresas sabem que a condenação baixa é muito mais vantajosa do que o estabelecimento de um acordo. “Isso conspira contra a essência do Juizado, que é de acordo e conciliação”, reforça Ubirajara. Para Vanessa Lopes, a questão precisa ser enfrentada a partir da conscientização da classe e mobilização. “Existe a premissa que advogados que estão se locupletando com as indenizações. Não cabe aos juízes fazer o papel justiceiro, o juiz tem que fazer justiça e se há advogados que não agem de forma correta, deixa que a OAB resolve isso”, comenta. As empresas que mais respondem a ações nos Juizados Especiais são Concessionárias de serviços públicos (água, luz, internet), empresas de telefonia e lojas de eletrodomésticos de grande porte. O perfil do advogado que atua nos Juizados Especiais é de profissionais que têm entre 25 e 40 anos de idade, em início de carreira. A OAB, segundo Vanessa, “não pode trabalhar de forma tão incisiva sobre os valores das indenizações, pois parte do livre convencimento do juízo”, mas tenta conscientizar os advogados e a sociedade sobre o cenário do Poder Judiciário na atualizada. Por isso, fará um ato em prol da valorização do instituto do dano moral nos dias 7 e 8 de novembro no Fórum Regional do Imbuí.
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