segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Avanço da crise com PSL faz Bolsonaro recorrer a aliados da 'velha política'

Avanço da crise com PSL faz Bolsonaro recorrer a aliados da 'velha política'
Foto: Câmara dos Deputados
Em meio à guerra interna no PSL, o presidente Jair Bolsonaro mudou de atitude e passou a procurar antigos caciques da política para evitar um isolamento.

Após dez meses de governo, até aqui marcado por sucessivas crises, ele resgatou uma prática dos antecessores: abrir a porta dos palácios para receber líderes partidários.

Nas últimas duas semanas, por exemplo, Bolsonaro se reuniu com os presidentes de dois partidos que atuam com o chamado centrão --Baleia Rossi, do MDB, e Gilberto Kassab, do PSD.

O movimento do presidente deve se repetir com outras legendas quando ele voltar de uma viagem de duas semanas pela Ásia e pelo Oriente Médio.

O PSL vive hoje um profundo racha entre os grupos liderados pelo presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE), e pela família Bolsonaro. A destinação das verbas do fundo partidário, que devem chegar a R$ 110 milhões neste ano, a maior entre todos as agremiações políticas, é um dos principais motivos desse conflito.

Com a inviabilização de apoio no PSL, após o agravamento da crise na semana passada com a divulgação de áudios, retaliações e ameaças, o presidente tem pouco a pouco aceitado aconselhamentos.

PSD, centrão --grupo informal de partidos com mais de 200 parlamentares na Câmara-- e MDB, no entanto, são alvo de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, que os associam à "velha política".

A reunião com o recém-eleito presidente do MDB ocorreu na semana passada, no Palácio do Planalto, e contou com a presença do ministro responsável pela articulação política do governo, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Já Kassab foi convidado pelo presidente para um café da manhã no Palácio da Alvorada na última sexta-feira (18), em compromisso que não constava da agenda oficial.

"Eu converso com todo mundo. Uns eu convido, outros querem vir. Eu converso com todo mundo. É o papel de um presidente. Eu quero paz para poder governar. Temos problemas enormes para poder resolver", disse Bolsonaro logo após se encontrar com Kassab no Alvorada.

A declaração amistosa se opõe à forma como Bolsonaro se referia a Kassab durante a campanha eleitoral --alguém que, segundo ele, não sabia diferenciar "gravidez de gravidade". Kassab foi ministro de Ciência e Tecnologia do governo Michel Temer (MDB) e das Cidades da gestão Dilma Rousseff (PT).

A visita do ex-prefeito de São Paulo ocorreu a convite do presidente e foi bem avaliada por líderes do Congresso.

"Não há como fazer andar essas pautas [de interesse do governo], fazer com que as coisas aconteçam com maior celeridade se não for com uma sólida relação de parceria entre Executivo e Legislativo", disse à Folha o líder do PSD na Câmara, deputado André de Paula (PE).

"Os sinais que a gente começa a perceber tanto do presidente quanto do general Ramos nesse sentido são muito bem-vindos", afirmou.

Bolsonaro tem recebido ainda quadros do DEM, como o ex-deputado Alberto Fraga (DF), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP).

O governo, apesar do movimento, tem mantido o discurso de que não cederá à práticas da "velha política".

O objetivo dos encontros, dizem interlocutores do Palácio do Planalto, é angariar apoio das legendas.

"A articulação política é muito maior, e a sua responsabilidade, do que a crise interna do PSL. Vamos pensar menos individualmente ou no partido e pensar mais no país", disse o general Ramos à Folha.

Baleia Rossi vê com bons olhos a tentativa de Bolsonaro de buscar diálogo, mas se diz independente.

"Não temos nenhuma intenção de aderir ao governo e muito menos de indicar nenhum tipo de cargo. Não temos essa expectativa e não queremos isso", diz. "Esse diálogo é sadio e republicano."

Embora, segundo Rossi, seu partido não tenha aderido ao governo, é filiado ao MDB o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE). Assim como Bivar, ele foi alvo de operação da PF, mas segue firme no posto.

Bezerra Coelho é investigado sob suspeita de desvios de recursos de obras quando era ministro da Integração Nacional em governo do PT.

O MDB ganhou ainda mais espaço com a destituição de Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso. O senador Eduardo Gomes (MDB-TO) assumiu a vaga.

Bolsonaro espera que a crise que assola seu partido se arrefeça em duas semanas, quando volta das viagens. Com isso, ele daria sequência às conversas com aliados.

Líderes políticos ouvidos pela Folha dizem que a chegada de Ramos à Secretaria de Governo ajudou na quebra de resistência de Bolsonaro.

A busca de apoio se dá em um cenário de pautas importantes pela frente no Congresso. O PSL já afirmou que apoia apenas pautas econômicas.

A reforma da Previdência, por exemplo, avançou com a liberação de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares.

A equipe de Paulo Guedes (Economia) ainda pretende apresentar reformas robustas para o país, como a administrativa, que altera a estrutura do RH do Estado, a tributária e o pacto federativo.

Apesar de avaliar como positiva a movimentação do presidente, líderes ouvidos reservadamente pela Folha veem com algum ceticismo o impacto dessa mudança de atitude de Bolsonaro para a relação com o Legislativo.

Eles ponderam que o presidente tem uma forma errática de governar e se mostrou até agora pouco leal a seus aliados de primeira ordem.

Paralelamente a isso, Bolsonaro tem de lidar com a guerra interna do PSL. Antes fiéis às pautas do governo, deputados da legenda já anunciam retaliações.

A reação vem com peso porque o partido do presidente tem a segunda maior bancada da Câmara, com 53 deputados. Cerca de 20 se mantêm ao lado de Bolsonaro. CPIs de temas sensíveis ao governo, como a da Lava Toga e a das Fake News, porém, não terão mais adesão incondicional.

No sábado (19), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em live em redes sociais, cobrou fidelidade dos deputados do partido ao governo do pai.

Ele ainda disse que o escândalo das candidaturas de laranjas, revelado pela Folha, tem feito Bolsonaro levar "muita pancada" --o presidente, porém, mantém no cargo o ministro Marcelo Álvaro Antonio (MG), indiciado pela PF e denunciado pelo Ministério Público sob suspeita de comandar nas eleições um esquema de candidaturas de fechada em Minas Gerais.



A crise no PSL

1 - A um apoiador Bolsonaro disse, no dia 8, que Luciano Bivar, presidente do PSL, estava "queimado pra caramba"

2 - Um dia depois, Bolsonaro disse a pessoas próximas que estuda soluções jurídicas para sair do PSL e levar consigo deputados aliados

3 - Bolsonaro e mais 21 deputados encaminharam um pedido à direção do PSL para que forneça a prestação de contas do partido

4 - Deputados bolsonaristas tentaram depor o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, que é ligado a Bivar, e substituí-lo por Eduardo Bolsonaro. O próprio presidente atuou nesse sentido, mas a tentativa naufragou

5 - Em reação, Bivar decidiu destituir Eduardo e Flávio Bolsonaro do comando dos diretórios do PSL em SP e no Rio. Já Bolsonaro tirou Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso

6 - O grupo bivarista anunciou a suspensão das atividades partidárias de 5 deputados que assinaram a lista para destituir Waldir

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