Foto: Isac Nóbrega/PR
O Brasil deixou de cuidar da área de Defesa por ideologia e precisa se rearmar, disse o presidente Jair Bolsonaro nos Emirados Árabes Unidos. "O Brasil foi esquecido nessa área desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Por quê? Voltando agora à ideologia, nós somos o grande obstáculo para o socialismo, nós das Forças Armadas. Por isso interessava quebrar nossa espinha dorsal."
A declaração foi feita em Abu Dhabi na noite deste sábado (26), horário local, durante cerimônia de oferenda floral no Monumento aos Mártires da Pátria (Wahat Al Karama), primeiro compromisso oficial da viagem presidencial aos Emirados Árabes Unidos. O Brasil fechou com o país dois acordos de cooperação na área de Defesa.
Segundo o presidente, o país precisa se rearmar para ter capacidade de se defender. "Ninguém quer um Brasil extremamente belicoso, mas precisamos ter um mínimo de poder de dissuasão". Bolsonaro não falou sobre negócios ou acordos específicos, que, segundo ele, são de responsabilidade do ministro Fernando Azevedo (Defesa). O Brasil quer vender aos árabes cargueiros da Embraer e trouxe ao país do Golfo 29 empresas da área de Defesa, sob coordenação do almirante Almir Garnier.
O titular da pasta ficou no Brasil por causa dos trabalhos de contenção de danos do vazamento de óleo na costa do país. Os memorandos firmados com o país árabe foram sobre a constituição e operação do Fundo Brasil-Emirados Árabes de Cooperação Estratégica para Expansão da Capacidade Produtiva do Setor de Defesa e um Memorando de Entendimento sobre Parceria Estratégica relacionada ao Desenvolvimento, Produção e Comercialização de Produtos de Defesa. O Itamaraty não detalhou o conteúdo dos acordos.
Os Emirados são a terceira escala de viagem presidencial que começou pelo Japão, continuou pela China e deve ainda passar pelo Catar e pela Arábia Saudita. Nos países árabes, o foco deve ser atrair investimentos para as rodadas de privatização e obras de infraestrutura que, no total, podem chegar a R$ 1,3 trilhão, segundo o Itamaraty. Sem a presença dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, as negociações da área econômica estão sendo coordenadas pelo chefe da assessoria especial de assuntos institucionais, Caio Megale.
Nas conversas, o governo pretende reforçar sua intenção de facilitar a vida do setor privado. Além da aprovação da reforma da Previdência, que será apresentada como ação concreta, "para além do discurso", serão ressaltadas nove mudanças regulatórias já feitas ou em curso, com efeitos de prazo mais curtos que os da reforma estrutural. Com os Emirados deve ser assinado também um acordo de assistência mútua em matéria aduaneira, que, embora não tenha efeito imediato nos negócios, pode reduzir burocracias fiscais. Seria mais um sinal de que o país quer facilitar os contratos, bem-vindos num momento em que o Brasil caiu 15 posições no ranking de facilidade de fazer negócios do Banco Mundial, divulgado na quarta-feira (23).
É brasileiro o pior resultado entre 189 países no número de horas gastas para pagar tributos (1.501 horas, ou 62,5 dias). Segunda colocada, a Bolívia fica distante, com 1.025 horas anuais. O governo ainda não enviou ao Congresso, porém, proposta para uma reforma tributária, que poderia reduzir parte dos entraves identificados pelo ranking (carga, complexidade e tempo gasto para lidar com impostos). Bolsonaro abre neste domingo o seminário "Brasil - Emirados Árabes Unidos: Perspectiva do Cenário Macroeconômico e Ambiente de Negócios". O Brasil vai reforçar a ideia de que o investimento em infraestrutura e logística é fundamental para garantir um mercado importantíssimo para os árabes: as exportações do agronegócio, dos quais os Emirados são um dos principais compradores.
A corrente de comércio entre os dois países gira em torno de US$ 2,5 bilhões, sendo que praticamente metade são de produtos agrícolas. Frango, açúcar e carne bovina respondem por 77% de tudo o que o Brasil exporta para os Emirados. Aos investidores árabes, serão apresentados cerca de 20 projetos do PPI (Plano de Parcerias de Investimento, criado no governo Temer pela mesma equipe que comanda o Ministério da Infraestrutura de Bolsonaro), com potencial para levantar cerca R$ 200 bilhões até 2022, segundo a pasta.
O presidente brasileiro tem encontros previstos com o xeque Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, primeiro-ministro e vice-presidente emiradense, e com atletas de jiu jítsu, arte marcial brasileira muito popular no país. Deve ainda visitar a mesquita Sheik Zayed e participar de jantar no hotel Emirates, onde está hospedado.
Na China, Bolsonaro encerrou a visita sem grandes negócios concretizados. Foram assinados 11 atos de cooperação em diferentes áreas, mas só dois devem resultar em aumento imediato das exportações, de farelo de algodão e carne termoprocessada. No Japão, apesar da grande expectativa do governo brasileiro em anunciar o início das negociações para um acordo entre o país asiático e o Mercosul, o governo japonês preferiu adiar as conversas. A previsão é que elas comecem em novembro, quando o primeiro-ministro Shinzo Abe deve visitar o Brasil.
NO MONUMENTO
Bolsonaro foi recebido no memorial pelo xeque Khalifa bin Tahnoun Al Nahyan, diretor do Gabinete de Assuntos Relativos aos Mártires. A recepção oficial, pelo xeque Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, primeiro-ministro e vice-presidente emiradense, será no domingo. O monumento Wahat Al Karama, cujo nome significa "oásis de dignidade" em árabe, homenageia "os soldados que sacrificaram suas vidas a serviço da nação".
O local foi especialmente escolhido para ficar entre a mesquita Sheikh Zayed -a maior do país- e o quartel-general das Forças Armadas. Oito militares de cada uma das Forças Armadas ficaram perfilados para a cerimônia, ao som de um toque militar de trompete. O número não é casual e está presente na arquitetura do monumento, significando os sete emirados e os mártires como o oitavo componente.
Lajes que representam os emirados e os militares mortos em ação se apoiam umas nas outras. O primeiro nome inscrito no memorial é o de um policial morto aos 20 anos, por se recusar a baixar a bandeira durante a tomada de Abu Musa e a investida sobre as ilhas Tunb, no estreito de Ormuz, em 1971. A disputa por território no estreito, após a retirada dos britânicos, até hoje provoca conflitos entre os Emirados e o Irã.
Ambos os lados reivindicam a posse das ilhas -segundo os emiradenses, elas estavam sob domínio dos xeques Qasimi desde o século 19; para os iranianos, o clã Qasimi tinha sua base em território persa, não árabe. Uma queixa dos Emirados às Nações Unidas em 1980 nunca chegou a ser avaliada, e uma tentativa de negociação bilateral em 1992 fracassou.
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