Foto: Reprodução/ Mídia Ninja
O Brasil ainda não convulsionou, porém entrou em ebulição social desde a última sexta-feira (8), quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o cárcere na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. É mais um episódio incomum do roteiro surreal que se tornou o Brasil pós-2018. Lula e sua oratória disparou petardos contra adversários e já reiniciou o projeto político que levou o PT ao poder em 2002. Com uma retórica incisiva, o ex-presidente mostrou que a prisão o fez abandonar o "Lulinha paz e amor", de quando chegou ao Planalto há 18 anos, retomando o padrão de guerrilha discursiva que o acompanhou em quatro derrotas na corrida presidencial.
Há algum tempo escrevi que o lulismo e o recente bolsonarismo, criado e alimentado pela figura do presidente Jair Bolsonaro, são partes diametralmente opostas, mas que se retroalimentam. É o que deve acontecer a partir de agora com a perda do hit "Lula livre". Enquanto o ex-presidente vai partir para o embate direto com Bolsonaro e companhia, dando à militância de esquerda o que ela tanto almeja, Bolsonaro fará o mesmo terrorismo ideológico que o fez chefe do Executivo. Para Lula, Bolsonaro é o adversário ideal - e para Bolsonaro, Lula é o adversário ideal. São dois monstros do ponto de vista político que irão passar por ciclos de Prometeu, que perdia diariamente seu fígado para uma águia para tê-lo regenerado no dia seguinte.
Lula foi, nessa primeira fase de liberdade, extremamente colérico. Falou direcionado à sua militância e iniciou conversas com os descontentes com os rumos adotados pelo Brasil nesses primeiros meses de gestão bolsonarista. É provável que, extravasada a raiva acumulada ao longo de 580 dias numa cela, o ex-presidente adote uma postura mais amena. O petista sabe que precisa capitalizar a oposição a Bolsonaro para viabilizar o projeto de poder que o motiva, mesmo que eventualmente ele seja um cabo eleitoral ao invés de candidato - a Lei da Ficha Limpa ainda o impede de estar nas urnas.
Com o fim do Lula livre, o PT também precisará organizar um novo mote para suas campanhas políticas. Desde que Dilma Rousseff começou a ser apeada do poder, o petismo alicerçou seus embates em slogans que, de alguma forma, são fáceis de comunicar. Agora, até que haja um novo, haverá um período de regorjizo, para "curtir" essa vitória simbólica da saída do ex-presidente da prisão. Se a ideia for acelerar a tentativa de desgaste de Bolsonaro, esse tempo será mais curto, mesmo para que não haja tempo de reorganização da tônica bolsonarista. Uma aposta seria tentar viabilizar a elegibilidade de Lula, já que virtualmente o petista não pode ser candidato até 2026, oito anos após a condenação por órgão colegiado.
Lembrando que, mesmo fora do cárcere, Lula não foi considerado inocente. Talvez por isso haja muita efusividade em criticar o algoz primaz, o ex-juiz Sérgio Moro. O atual ministro da Justiça e Segurança Pública é considerado o grande responsável pela prisão e pela inegibilidade do ex-presidente. Caso a suspeição de Moro em processos do petista seja confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, não se enganem se houver um acirramento ainda maior dos ânimos. Aí será necessário manter a racionalidade para evitar que a guerra discursiva não mude de campo de batalha.
O problema é que, no Brasil atual, manter a serenidade é muito mais complexo do que deveria. Como fazer então? Ouvindo os diversos lados do problema e chegando a conclusões distantes da paixão que a política tem inspirado. Afinal, nem todo remédio controla facilmente uma crise convulsiva.
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