Mesmo diante das mais de 463 mil mortes por Covid-19 no país e com a possibilidade do surgimento de novas cepas do vírus, o presidente Jair Bolsonaro confirmou a realização da Copa América 2021 no Brasil (veja aqui). A justificativa para a medida é a de que "seguindo os mesmos protocolos" das competições que já estão sendo realizadas, "estaríamos em condições" de receber o torneio. Contudo, nem mesmo esses protocolos estão sendo suficientes para diminuir o índice de contaminação.
É o que salienta a infectologista Clarissa Ramos, do Hospital Cárdio Pulmonar de Salvador. Na opinião dela, todos os campeonatos de futebol disputados no Brasil deveriam estar suspensos. "Um dos motivos de estarmos tendo transmissão são medidas incompletas. De estabelecimentos ficarem parcialmente abertos. Quando a gente fala de protocolo, fica tudo muito lindo. Mas depende das pessoas terem noção e aplicarem na prática. A gente fala do uso de máscara, mas o uso inadequado causa risco. A nível teórico, a gente consegue prevenir, mas na prática sabemos que é muito difícil. Muita gente não está levando a sério", analisa a especialista.
Além da Copa América, que começa no dia 13 de junho, estão sendo realizados o Campeonato Brasileiro séries A, B, C e D (os dois últimos começam no próximo domingo (6), a Copa do Brasil e as eliminatórias sul-americanas da Copa do Mundo 2022.
Um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo (USP) em 2020 revelou que a incidência de casos de Covid-19 no futebol paulista foi de 11,7% - equivalente ao índice dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate à doença.
Segundo o jornal da USP, foram analisados, retrospectivamente, quase 30 mil testes de RT-PCR aplicados em 4.269 atletas ao longo de oito torneios, sendo seis masculinos (Taça Paulista, Sub-23, Sub-20 e as três divisões do Campeonato Paulista) e dois femininos (Campeonato Paulista e Sub-17). Ao todo, 501 exames confirmaram a presença do SARS-CoV-2. Também foram analisados 2.231 testes feitos em integrantes das equipes de apoio (profissionais da saúde, comissão técnica, dirigentes, roupeiros etc.) e 161 deram positivo, ou seja, 7%.
Além disso, mesmo que não tenha público nos estádios, a condição de perigo se estende também para os torcedores. "Quando a gente fala dos jogos, os estádios preocupam, mas as pessoas têm tendência de aglomerar fora dos estádios. Mesmo em casa, para beber, para assistir jogo junto, e aí coloca todo mundo em uma situação de risco", avalia Ramos.
Outra preocupação é com as variantes do coronavírus. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pediu, no último sábado, que o governo restringisse a chegada de pessoas que viessem de países com novas mutações. O pedido foi feito visando especialmente trabalhadores marítimos. No entanto, para abrigar a Copa América, o governo brasileiro terá que lidar com as delegações de 10 seleções, viajando constantemente pelos quatro estados que sediarão os confrontos.
"Todas as variantes são mais transmissíveis. Aqui a gente faz muito pouco teste de identificação de cepa. Então há grande chance de uma cepa estar em circulação e a gente não sabe por não estar fazendo vigilância. O Lacen pega algumas amostras, mas não faz de todo mundo, porque não tem como. Quem fizer particular, é por vontade própria", opina a infectologista.
Para conter a transmissão entre os integrantes das seleções, a Conmebol afirmou que planeja vacinar contra a Covid-19, com a primeira dose, todos aqueles que estarão presentes no Brasil para a realização da Copa América. Serão 50 mil doses da CoronaVac, disponibilizadas pela empresa chinesa Sinovac. "Jogadores são pessoas jovens, que praticam atividades, em geral são saudáveis. Ok, eles podem pegar Covid, mas e as pessoas que vão estar acompanhando? Vamos dar motivo para aglomeração? A responsabilidade é de todo mundo", finaliza Clarissa.
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