Vencida o que se pode chamar de fase mais política, a privatização da Eletrobras chega definitivamente ao mercado de capitais. A operação foi aprovada nesta quarta-feira (18) no TCU (Tribunal de Contas da União) por 7 votos a 1.
O resultado do julgamento é uma vitória do ministro Paulo Guedes (Economia), que agora tem caminho aberto para executar a privatização de uma empresa inteira antes do fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). O desafio agora é fazer a operação mesmo com as condições adversas no mercado.
Votaram favoravelmente ao processo o relator Aroldo Cedraz e os ministros Benjamin Zymler, Bruno Dantas, Augusto Nardes, Jorge Oliveira, Antonio Anastasia e Walton Alencar Rodrigues. O ministro Vital do Rêgo Filho votou contra.
Agora, o governo corre contra o relógio para fazer a operação o quanto antes. A venda da Eletrobras foi modelada para ocorrer por meio de capitalização em Bolsa. Serão emitidas ações e recibos de ações (ADRs), respectivamente no Brasil e Estados Unidos.
No processo de convencimento da privatização, representantes dos ministérios da Economia e Minas e Energia sempre destacaram que a Eletrobras poderia atrair fundos de previdência e fundos soberanos, que dariam fôlego para uma nova fase de investimentos no setor elétrico brasileiro.
O trabalho final do governo e do sindicado de bancos responsável pela operação é garantir a participação desses atores.
No mundo dos lançamentos de ações, eles são conhecidos como investidores âncora. Quanto maior e mais conceituado o âncora, melhor pode ser o desempenho de uma operação, bem como o cenário para a empresa.
Mais robustos e preparados, eles são vistos como influenciadores importantes na escolha do presidente, do conselho e da diretoria, qualificando a gestão do negócio.
GESTORES INDICAM INTENÇÃO DE PARTICIPAR DA OFERTA
Segundo pessoas ouvidas pela Folha, entre os grandes investidores que teriam interesse em atuar na oferta, aportando cheques de alguns bilhões de reais, estariam o fundo 3G, gestora de recursos dos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Ela já é um dos principais detentores de ações preferenciais da Eletrobras.
Há sinalizações positiva também da Itaúsa, que tem entre seus negócios o Itaú Unibanco e indústrias como Alpargatas. Em declarações feitas em fevereiro deste ano, o presidente da Itaúsa, Alfredo Setubal, chegou a comentar que negócios na área de saúde e de energias renováveis estavam sendo avaliadas pelo conglomerado.
O GIC (fundo soberano de Cingapura) e o CPPIB (fundo de pensão do Canadá) também já teriam manifestado interesse em participar da operação.
CEO da gestora Logos Capital, Ricardo Vieira diz que tem ações da Eletrobras nas carteiras dos fundos já há algum tempo, e que pretende aumentar a posição na oferta de ações a ser realizada no âmbito da capitalização da companhia. "A depender do preço", acrescenta.
Na B3, a ação está na casa de R$ 40, puxada nos últimos meses pela perspectiva de privatização. Em comparação com maio de 2020, os papéis acumulam alta de quase 70%. O aumento costuma ocorrer em caso de follow on, como é chamado o lançamento de ações quando a empresa já esta listada em Bolsa.
Muitos compram o papel antes, para se posicionarem e terem a preferência para entrar na oferta. O movimento puxa o papel.
Haveria, no entanto, uma discussão sobre o preço da ação. A percepção de executivos de bancos ouvidos pela reportagem, com o compromisso de não terem o nome revelado, é que alguns grandes investidores miram um preço inferior à cotação atual.
Nesse caso, a análise considera as duas faces da moeda. Há vantagens evidentes, apontam analistas, em investir na Eletrobras. Ela é a maior empresa de energia da América Latina, uma área de infraestrutura básica com grande potencial de crescimento.
No entanto, grandes investidores preferem privatizações clássicas, em que o Estado se retira totalmente. Como a União permanece, alguns ainda resistem a entrar com mais força na operação. Nesse caso, vai pesar a capacidade de convencimento dos bancos em relação aos ganhos de eficiência que a companhia possa oferecer sem o controle estatal.
"Com a empresa sendo privatizada, ela deveria ter outro tipo de avaliação por parte do mercado, com um ganho de eficiência em potencial muito maior", afirma Vieira.
Segundo Marcos Peixoto, gestor da XP Asset, a Eletrobras é uma das maiores posições dentro das carteiras dos fundos da gestora. O investimento na empresa foi feito ainda em meados de 2020, quando a eclosão da pandemia fez os preços de diversos ativos despencarem.
Hoje, o gestor do grupo XP está entre os dez maiores acionistas da empresa entre os investidores brasileiros.
Pela posição relevante ocupada, Peixoto conta que a gestora chegou a ser procurada em meados de março para atuar como investidor âncora na operação.
O limite mínimo estipulado para investidores atuarem como âncoras e garantirem uma demanda firme de R$ 1,5 bilhão, contudo, foi considerado muito elevado frente ao volume de recursos sob gestão.
De toda forma, Peixoto diz que pretende participar da oferta, vendo um alto potencial de valorização para as ações.
Mesmo que acabe não sendo privatizada, ainda assim, os papéis da empresa na Bolsa parecem excessivamente descontados, na avaliação do gestor da XP Asset.
Ele entende que, pelos resultados recentes apresentados pela Eletrobras no primeiro trimestre, as ações deveriam estar cotadas mais próximas da faixa dos R$ 50, mesmo sem a conclusão do processo de privatização.
Havendo a privatização, e com os ganhos de eficiência em potencial, as ações poderiam alcançar no médio prazo patamares ao redor de R$ 70, projeta Peixoto.
"Tem pouco da privatização precificada dentro dos papéis", diz o gestor. Ele prevê que, com o aval do TCU, a oferta deve estar na rua até meados de junho.
O presidente da Eletrobras, Rodrigo Limp, defendeu nesta terça-feira (17) que a privatização da empresa seja feita "no menor prazo possível", para evitar risco de perda de valor com as férias no Hemisfério Norte e a proximidade com as eleições presidenciais no Brasil.
"Tem o período de férias no Hemisfério Norte que acaba afastando investidores e a proximidade com o período eleitoral. Por isso achamos positivo para a União que a operação ocorra no menor tempo possível", disse Limp.
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PRÓXIMOS PASSOS
Após aprovação no TCU, bancos iniciam processo para a emissão
- Oficializar deliberações dentro do BNDES e do governo
- Protocolar da operação na CVM e na SEC
- Lançar a oferta, tomando como base os resultado do primeiro trimestre de 2022; os prospectos já estão sendo atualizados
- Promover o roadshow, como se chamam visitas a investidores para apresentação da empresa, que será mais curto porque houve um trabalho anterior e há pressa para chegar a emissão
- Precificar o papel ("pricing")
- Realizar a operação nas bolsas do Brasil e Nova York ocorre na primeira semana de junho
QUEM ESTÁ NA OPERAÇÃO
Além do BNDES, há um sindicato composto de bancos privados atuando no mercado
Líderes, que apresentam a companhia:
- Bank of America
- BTG Pactual
- Goldman Sachs
- Itaú BBA
- XP Investimentos
Bookrunners, que fazem reservas:
- Bradesco BBI
- Caixa Econômica Federal
- Citi
- Credit Suisse
- JP Morgan
- Morgan Stanley
- Safra
RITO NO MERCADO DE CAPITAIS SERÁ AGILIZADO
Com sinal verde do TCU, os próximos dias serão dedicados a cumprir o rito no mercado de capitais. BNDES e União trabalham com a expectativa de colocar a operação na rua entre final de maio e início de junho. O governo trabalha com a data de 25 de maio.
Trata-se de um prazo considerado curto, mas viável. "Processos como IPO, que o lançamento da ação, e follow on, que o caso da operação da Eletrobras, costumam levar de seis meses a um ano", afirma o advogado Guilherme Champs, sócio-fundador do Champs Law, escritório focado em mercado de capitais.
"Mas nesse caso, a vontade política é grande, o que faz diferença."
Segundo pessoas próximas a operação, o road show, como se chama a apresentação a investidores, será mais curto. Em parte, porque é preciso lançar os papeis ainda no primeiro semestre, antes que a campanha eleitoral esquente, mas também porque um trabalho informal de apresentação da Eletrobras já ocorreu.
A oferta busca diluir a participação da União, que precisa cair de 72% para 45%, arrecadar recursos para pagar outorga ao Estado e transformar a empresa numa corporação. Nenhum acionista poderá ter mais de 10% do total das ações.
Estão previstas ofertas prioritárias para já acionistas, empregados e aposentados. Haverá espaço para operadores institucionais e pequenos investidores. Como ocorreu em outras privatizações, será possível usar metade dos recursos depositados no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), via fundos, para participar da oferta.
O histórico de retração das ofertas em Bolsa em anos eleitorais desafia a operação da Eletrobras.
Levantamento do jornal Folha de S.Paulo com base em dados da B3 nos últimos 18 anos mostra que o número médio de operações cai 34% em anos de disputa pelo Palácio do Planalto. Considerando apenas segundos semestres, a quantidade média cai quase pela metade (46%) nos anos de corrida presidencial.
PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS COMEÇOU NOS ANOS 1990 E SOFREU VÁRIOS PERCALÇOS
FHC (1995-2002): No governo FHC iniciou-se a tentativa de vender a Eletrobras para o setor privado. A medida sofreu resistência e não se concretizou, mas durante o seu mandato, o presidente privatizou quase todas as distribuidoras, entre elas, a Escelsa, distribuidora do Espírito Santo, a Light, do Rio de Janeiro, e a Gerasul, que atuava no sul do país
Lula (2003-2010): Além de colocar na gaveta o plano de privatizar a estatal, o governo PT freiou as vendas de distribuidoras, mas seguiu com leilões de transmissão e geração de energia. Entre as iniciativas que marcaram aquele momento estão o início dos leilões de energia eólica, em 2009, e o da Usina de Belo Monte, em 2010
Dilma (2011-2016): Em seis anos no poder, Dilma seguiu a cartilha adotada por Lula. Foram feitos leilões de linhas de transmissão e de hidrelétricas --como a Três Irmãos, em São Paulo
Temer (2016-2018): Dois meses após assumir a Presidência, Temer retoma as privatizações e limpa um dos maiores passivos da Eletrobras, vendendo distribuidoras estaduais deficitárias que estavam sob o guarda-chuva da Eletrobras. Foram seis ao todo
Bolsonaro (2019-2022): Além de trazer os planos de privatização da Eletrobras à baila novamente, Bolsonaro seguiu os passos de Temer nos leilões de distribuidoras, como os da CEB (Companhia Energética de Brasília) e da CEA (Companhia de Eletricidade do Amapá)
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