A fatia do Orçamento federal para a atenção básica em saúde definida por parlamentares dobrou durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e já é quase um quinto do total. Especialistas apontam que isso levou a uma ineficiência no gasto em saúde, ignorando critérios técnicos, e à criação de vínculos clientelistas entre prefeitos e congressistas.
O percentual de gastos classificados como atenção básica em saúde em 2019, vindo de emendas parlamentares, era de 9,4% em 2019. Em 2022, chegou a 18,1%. O crescimento aconteceu na esteira da explosão das chamadas emendas de relator, que em 2022 têm na saúde seu destino principal.
No Orçamento deste ano, foram R$ 9,8 bilhões em emendas parlamentares de todos os tipos para a atenção básica em saúde, sendo R$ 5 bilhões com o carimbo de relator. Em 2019, esse tipo de emenda inexistia.
Existem quatro tipos de emendas: as individuais (a que todo deputado e todo senador têm direito), as de bancada (congressistas de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (que são criticadas por falta de transparência por serem controladas pela cúpula da Câmara e do Senado).
"Essa é uma das maiores distorções que o governo federal em conjunto com o centrão fez com o financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde)", diz Aparecida Pimenta, assessora do Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo).
Antes do atual cargo, ela foi secretária de saúde em quatro municípios no interior de São Paulo.
"Muitas vezes o Ministério da Saúde diz o quanto aumentou recurso para a atenção básica, mas grande parte aumentou pela emenda -e a [execução da] emenda tem começo, meio e fim. O grande problema da saúde é o financiamento permanente, principalmente da folha de pessoal", apontou.
Pelo seu caráter temporário, as emendas não podem ser utilizadas para contratar médicos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde. Com disso, acabam indo para a compra de insumos ou para reformas ou construções de unidades de saúde.
A atenção básica em saúde, ou atenção primária, é a porta de entrada no SUS. O objetivo é prevenir doenças, resolver alguns casos e direcionar os que necessitam de atenção adicional para atendimentos de média ou alta complexidade. Uma ação importante na atenção básica, por exemplo, é o Programa Saúde da Família.
O deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP) vai na mesma linha. O excesso de emendas, argumenta, faz com que o Orçamento da atenção básica em saúde seja "capturado por interesses políticos da sua base."
Isso "tira os critérios técnicos para alocação de recursos, transformando a atenção básica em um balcão de toma lá dá cá".
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre o aumento da fatia das emendas parlamentares nesse tipo de despesa.
Técnicos do Congresso avaliam que esse processo prejudica as políticas de atenção primária, pois o critério político não necessariamente atende às principais demandas dos municípios pelo país.
O Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) considera bem-vindos os recursos advindos de emendas. "O problema é que a distribuição desses recursos segue a lógica política estabelecida pelos parlamentares, que nem sempre é a mesma lógica da rede pública de atenção à saúde."
Para o grupo, é necessário "viabilizar a aplicação dos recursos segundo a rede de atenção das regiões de saúde que são estabelecidas mediante as necessidades de saúde da população".
Dos R$ 9,8 bilhões de emendas destinadas para a atenção básica em 2022, R$ 5 bilhões são das emendas de relator e R$ 3,5 bilhões, das emendas individuais.
Em 2020, primeiro ano com as emendas de relator, foram R$ 862 milhões nesse tipo de aplicação e R$ 2,7 bilhões das emendas individuais.
Nos dois casos, a emenda é destinada para algum município sob o patrocínio de algum parlamentar específico. A diferença é que, nas emendas de relator, o senador ou deputado que fez a indicação ficam ocultos.
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