quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Crianças não podem ser consideradas psicopatas, dizem especialistas

Crianças não podem ser consideradas psicopatas, dizem especialistas
Foto: Divulgação
Crianças e adolescentes podem ser diagnosticadas como psicopatas? Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, não. Nessa fase, o mais correto é falar em transtorno de conduta, que ainda pode ser atenuado e até desaparecer.

As características da psicopatia e do transtorno de conduta, porém, são as mesmas: insensibilidade, manipulação, ausência de remorso e empatia, sedução, comportamento violento, agressividade, tendência a responsabilizar os outros, comportamento antissocial, tendência ao tédio, mentiras e individualismo. Os traços são constantes e perceptíveis por quem vive próximo.

Hilda Morana, especialista em psicopatia e psiquiatra forense pela USP, afirma ainda que é normal que crianças com o transtorno sejam atraídas pelo perigo, ajam de maneira cruel com animais, tenham crises de birra e matem aulas.

"O que divide a normalidade de anormalidade é a frequência e intensidade dessas características. Todos temos um pouquinho delas. O problema é quando isso começa a ser o fio condutor do funcionamento da pessoa", afirma Antonio de Pádua Serafim, coordenador do núcleo forense do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria).

Sem uma avaliação ou o relato de pessoas próximas, é difícil, senão impossível, atribuir tais características ao garoto de 12 anos que, segundo a polícia, confessou ter matado a menina Raíssa Eloá Capareli Dadona, 9, no domingo (29). Antes do crime, o menino afirma que estava brincando com a garota.

Também se deve levar em conta que a percepção de frieza relatada pelos policiais que participaram da investigação não necessariamente pode ser traduzida como parte da personalidade do garoto.

De acordo com Serafim, pode haver um prejuízo do entendimento da ação cometida. "Às vezes lidamos com indivíduos muito limitados do ponto de vista pedagógico e cultural para compreender a gravidade de seu comportamento. E as pessoas entendem isso como frieza", diz.

Mas, se de fato o garoto a agrediu brutalmente, Serafim diz que a hipótese de um quadro de transtorno de conduta pode ser considerada. O diagnóstico preciso envolve psiquiatras e psicólogos especializados na área e testes e entrevistas com pais e familiares.

Serafim lembra que a agressividade é parte da natureza humana. O sinal amarelo deve ser aceso quando ela é usada em ações violentas, como maus tratos a colegas.

A escola é uma grande aliada na detecção do problema.

"Como as características do transtorno confrontam as normas, os afetados têm muita dificuldade de se adaptar às regras e vão sempre tentar manipulá-las e corrompê-las", afirma Serafim.

Conforme os comportamentos fora do padrão são percebidos, os familiares devem procurar psicólogos e psiquiatras especializados para conseguir um diagnóstico correto, tratamento e orientação sobre como lidar com o jovem.

Morana afirma que castigos não têm efeito sobre quem tem o transtorno. Medicações que inibem a excitabilidade mas não curam o problema podem ser indicadas.

Os traços psicopáticos estão presentes entre 1% e 3% da população.

Em adultos, estudos têm apontado alterações cerebrais anatômicas em pessoas diagnosticadas como psicopatas. Uma delas é a baixa ativação das amígdalas, região do cérebro associada com experiências de medo e memória afetiva. A outra é um lobo frontal reduzido, o que pode estar associado a comportamentos impulsivos e irresponsabilidade.

Graças à maturação cerebral, um jovem com transtorno de conduta não necessariamente se tornará um psicopata no futuro.

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