A equipe econômica apresentou ao Palácio do Planalto um pedido de veto de quase R$ 9 bilhões em despesas aprovadas pelo Congresso Nacional para recompor gastos que ficaram subestimados no Orçamento de 2022, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem.
Desse valor, ao menos R$ 3 bilhões devem ir para despesas com pessoal, que são obrigatórias, e quase R$ 800 milhões vão irrigar o fundo eleitoral —que chegará aos R$ 5,7 bilhões aprovados pelos parlamentares para a campanha deste ano.
Outros R$ 5 bilhões foram solicitados para ampliar despesas de custeio da máquina pública que ficaram abaixo do necessário. O mais afetado é o próprio Ministério da Economia, que teve um corte de 50% em suas dotações orçamentárias.
Os pedidos foram discutidos em reunião na terça-feira (11) entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil) e suas respectivas equipes.
De acordo com auxiliares que acompanham a discussão, o mais provável, porém, é que o veto acabe ficando abaixo dos R$ 9 bilhões solicitados pela Economia.
Uma nova reunião deve ocorrer nesta quinta-feira (13) para definir o que será feito. O prazo para a sanção do Orçamento de 2022 termina em 21 de janeiro.
Para atender à demanda, o presidente Jair Bolsonaro (PL) precisa vetar outras despesas no Orçamento, pois não é possível simplesmente ampliar os gastos, que são limitados pelo teto.
A reportagem apurou que a área econômica chegou a sugerir que os vetos fossem aplicados sobre emendas de relator, que somam R$ 16,5 bilhões e são usadas pelo Congresso para direcionar recursos a redutos eleitorais de aliados.
No entanto, a orientação da ala política é não mexer com esses recursos, que têm sido usados por Bolsonaro para fidelizar sua base no Legislativo. A indicação foi dada no momento em que o presidente mantém conversas sobre alianças para disputar a reeleição.
A falta de pagamentos de emendas acordadas com o Planalto já deflagrou uma crise na primeira semana do ano com um dos partidos da base, Republicanos. Parlamentares esperavam receber R$ 600 milhões, mas a verba não foi liberada pela Economia.
A área econômica apresentou então uma espécie de plano B do que pode ser vetado para recompor as despesas. A nova alternativa inclui corte em outras despesas discricionárias, como custeio de ministérios e investimentos.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, auxiliares palacianos e parlamentares já esperavam que o embate com a equipe econômica fosse reeditado com os pedidos de veto à peça orçamentária.
As questões mais urgentes são a recomposição do gasto com pessoal, que é uma despesa obrigatória (ou seja, o governo não pode deixar de honrar), e a integralização dos recursos do fundo eleitoral.
O Orçamento reservou R$ 4,9 bilhões para bancar as campanhas eleitorais dos partidos em 2022. Mas em dezembro do ano passado, o Congresso derrubou um veto de Bolsonaro sobre o tema.
Na prática, a decisão dos parlamentares permite que o fundo chegue a R$ 5,7 bilhões —como previsto originalmente na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). O veto foi derrubado com apoio do PL, partido ao qual Bolsonaro se filiou no ano passado, e de outras legendas aliadas.
No caso dos gastos com pessoal, a redução foi feita pelo relator-geral, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que usou o espaço para contemplar outras despesas almejadas pelos parlamentares. Para a Economia, porém, a dotação para salários e aposentadorias do funcionalismo federal ficou abaixo do necessário para cobrir o ano todo.
Nos bastidores da área econômica, técnicos sabem que a margem para vetos é pequena, sobretudo com a decisão política do Planalto de blindar as emendas de relator.
Por isso, os esforços estão centrados na recomposição das despesas obrigatórias, para evitar que faltem recursos nessa frente. Já a ampliação das discricionárias é considerada "a batalha do ano".
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Ministério da Economia foi o mais atingido pelos cortes e pode sofrer um apagão em suas atividades já no primeiro semestre deste ano.
Apesar da necessidade de recompor as despesas discricionárias, há a avaliação de que o arranjo precisará ser feito ao longo do ano. O cálculo dos técnicos é que dificilmente haverá disposição política do presidente para assumir o desgaste com o Congresso para vetar R$ 9 bilhões, sobretudo em ano eleitoral.
No ano passado, os parlamentares maquiaram despesas obrigatórias para turbinar as emendas de relator, e a Economia cobrou do presidente uma decisão que permitisse a recomposição dos gastos. O veto de R$ 19,8 bilhões deixou cicatrizes na relação da equipe econômica com o Legislativo.
Para Juliana Damasceno, economista-sênior da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), chama a atenção que, mesmo com um espaço adicional de ao menos R$ 116 bilhões no Orçamento, o governo ainda precise remanejar recursos para cobrir falta de dinheiro em ministérios.
A folga fiscal veio com a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, que adiou o pagamento de dívidas judiciais da União contra as quais já não cabe mais recurso e também mudou a regra de cálculo do teto de gastos.
"Não deixamos de ter R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, não deixamos de ter o maior fundo eleitoral da história. [O governo] Poderia ter sentado e questionado ‘faz sentido isso?’, mas não quis abrir mão", criticou.
Segundo Damasceno, a sinalização de que falta dinheiro mesmo com a expansão do teto pode abrir um precedente para novas mudanças na regra fiscal, sobretudo no momento em que sua manutenção ou derrubada ganha espaço no debate eleitoral.
"Foi feito um malabarismo para arranjar esse espaço. E a agenda eleitoral foi a grande prioridade", afirmou a economista. Ela critica o fato de o teto ter sido expandido sem que houvesse nenhum esforço por parte do governo para conter gastos, com revisão de políticas tidas como ineficientes.
"O teto deixou de cumprir com sua função. Tivemos oportunidade de rever despesas, mas no lugar aprovaram duas PECs para alterar regra e tornar o caminho mais fácil", disse.
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