quinta-feira, 14 de julho de 2022

Com 19 impedimentos, Pleno do TJ-BA arquiva sindicância contra juíza Cassinelza Lopes

 

Com 19 impedimentos, Pleno do TJ-BA arquiva sindicância contra juíza Cassinelza Lopes
Foto: Divulgação

O Pleno do Tribunal de Justiça (TJ-BA) arquivou a sindicância contra a juíza Cassinelza da Costa Santos Lopes por atuação em um processo de usucapião que tramita na comarca de São Desidério, no oeste do estado. Com o arquivamento, a magistrada poderá se tornar desembargadora pelo critério de antiguidade. No total, foram 28 votos pelo arquivamento - 19 desembargadores que se declararam impedidos. Apenas quatro desembargadores votaram pela abertura do processo. 

 

A sindicância foi aberta a pedido da procuradora-geral de Justiça Adjunta, Wanda Valbiraci Caldas, e do Assessor Especial Criminal, Fabrício Patury. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) também abriu uma sindicância e um processo de investigação criminal contra o promotor de Justiça Alex Moura Santos.

 

Uma das partes do processo é Walter Horita, proprietário do imóvel denominado Fazenda Proveito, situado no Município de São Desidério. Horita também é réu na Faroeste. A área tem aproximadamente 760 hectares, avaliada em mais de R$ 9 milhões. O Estado da Bahia havia manifestado interesse na causa. Segundo o corregedor das Comarcas do Interior, Jatahy Fonseca, a magistrada atuou de forma irregular no processo, tendo despachado quando já não tinha cessado a designação para atuar no oeste.

 

Na leitura do relatório, o corregedor narrou que no dia 5 de setembro de 2019, às 18h56m, a ação de usucapião foi distribuída no sistema PJE, com cópia do pedido feito na esfera extrajudicial, o qual ficou obstado em face da impugnação feita pelo Estado da Bahia. O promotor de Justiça Alex Moura, antes mesmo de ter sido intimado, emitiu um parecer para declarar o usucapião extraordinário em favor dos Horitas. Na segunda-feira, dia 9 de setembro de 2019, a juíza proferiu uma decisão julgando totalmente procedente o pedido dos autores. No dia seguinte, terça-feira, 10 de setembro de 2019, o promotor, sem intimação, deu ciência da sentença e dispensou o prazo recursal. Também no mesmo dia, os autores da ação manifestaram ciência da decisão e renunciaram o prazo recursal, pedindo a certificação do trânsito em julgado para se tornar título de averbação  junto ao Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca. A decisão foi publicada no Diário da Justiça no dia 12 de setembro daquele ano. No dia 4 de outubro, sem a certidão de trânsito em julgado, o cartório noticiou o cumprimento da sentença. O Estado da Bahia opôs embargos, o que manteve o processo paralisado desde o dia 10 de outubro daquele ano. 

 

O prazo em que todo o processo tramitou chamou a atenção das autoridades. Segundo a sindicância, as provas indicavam indícios de atuação irregular da juíza Cassinelza da Costa Santos Lopes. O primeiro fato seria por ausência de jurisdição, já que a sentença foi prolatada pela juíza além do prazo estabelecido para substituição na comarca de São Desidério. No dia 9 de setembro, a juíza já não poderia mais ter atuado no caso, conforme considerou o corregedor, pois a designação havia encerrado no domingo, dia 8 de setembro. Cassinelza também não teria observado a ordem preferencial para prolatação da sentença.

 

O diretor de Secretaria da Comarca de São Desidério afirmou que a unidade judiciária possuía, à época dos fatos, vários outros processos de usucapião necessitando de impulso oficial, e registrava, no início do período da primeira designação da magistrada, registrava 2018 processos conclusos. O processo mais antigo havia sido distribuído em janeiro de 1989. Mas a juíza teria apreciado e julgado, “em um só dia”, processo distribuído quatro dias antes da conclusão, quando já não atuava mais na comarca. “O que a análise das provas apresentadas comprova, contudo, é que a Magistrada investigada julgou o feito de forma açodada, conduzindo sua própria atuação de forma irregular ao decidir de forma frontalmente violadora às normas jurídicas de regência, com uma celeridade absolutamente desproporcional à realidade da Comarca em que atuava”, afirmou o relator.

 

Ao pedir a abertura do processo administrativo disciplinar, o corregedor das Comarcas do Interior negou o pedido feito pela defesa da juíza para suspender a sindicância até que tivessem autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ter acesso ao conteúdo da delação premiada feita pelo advogado Júlio César Cavalcanti.

 

A defesa da juíza, durante a sustentação oral, afirmou que não ficou comprovado nada contra Cassinelza e não consta que recebeu recursos das partes para favorecimento nos processos. A defesa também afirmou que a juíza se preocupava com o fluxo dos processos e por isso, deu o devido andamento ao caso. A justificativa para ter dado sentença na segunda foi que a designação foi encerrada no domingo - dia não útil. 

 

O desembargador Sérgio Cafezeiro pediu vista e abriu a divergência ao proferir o voto no dia 1º de junho deste ano. Para ele, a sindicada desenvolveu suas funções com regularidade, a partir de seu convencimento, e que não havia argumentos contrários ao deferimento do pleito. “O fato de um dos autores ter sido mencionado ‘em investigação criminal', por si só, não autorizaria a sindicada ou qualquer outro magistrado, a extrair conclusões e a partir disso, sonegar a prestação jurisdicional e deixar de sentenciar o feito”, disse no voto vista. Cafezeiro acrescentou que a decisão poderia ser revista através de recursos em demais instâncias do Poder Judiciário. Logo depois, o relator pediu para suspender o processo para reexaminar seu voto, pois a sindicância havia sido iniciada na gestão anterior da Corregedoria.

 

A desembargadora Joanice Guimarães pediu o arquivamento da sindicância, pelo fato da juíza ter mais de 30 anos de atuação e nunca ter sido alvo de nenhuma reclamação funcional no TJ-BA. O desembargador Abelardo da Mata afirmou que conhece a magistrada, tendo a substituído por um tempo, e por isso, também pediu o arquivamento. O desembargador Baltazar Miranda lembrou que a juíza é a mais antiga para ser promovida para uma vaga de desembargador e disse que não se falou em ter recebido vantagens pela decisão. Também observou que houve embargos do Estado no caso contra a sentença. O presidente do TJ-BA também votou pelo arquivamento, mesmo com a suspensão do processo até o reexame do relator. 

 

Jatahy também falou que foi colega de Cassinelza na turma de ingresso na magistratura e queria reexaminar o voto. Afirmou que a questão não é tão simples, pois até o promotor responde a uma sindicância por esse processo. Acrescentou que a sindicância não impediria o acesso ao cargo de desembargadora pelo critério de antiguidade. O desembargador Cícero Landim afirmou que a questão não é de ter acesso ao TJ, mas sim, o peso de responder a um processo disciplinar. “É muito duro uma pessoa ser injustamente acusada e depois absolvida”, afirmou. 

 

Nesta mesma sessão, a desembargadora Joanice Guimarães criticou a atuação do Ministério Público, o que gerou ainda uma manifestação posterior da procuradora de Justiça Vanda Walbiraci (veja aqui). A desembargadora Ivete Caldas criticou o fato do processo ter sido retirado de pauta e ainda assim os colegas continuarem votando pelo arquivamento. Também afirmou que a juíza é “assistida por excelentes advogados”, de forma que os colegas não precisariam fazer isso por ela, pois são julgadores. Após essa discussão, o deslinde da sindicância ficou designado para a sessão plenária realizada na manhã desta quarta-feira (13). Na oportunidade, o relator manteve o voto pela abertura do processo administrativo, e logo depois, a maioria dos desembargadores votou pelo arquivamento da sindicância.

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