Tratava-se de uma inscrição encontrada em uma pedra localizada nas ruínas de uma igreja na antiga Calcedônia — atualmente parte de Istambul, na Turquia —, reconhecida tradicionalmente como o primeiro templo construído e consagrado em honra ao “martírio de São Cristóvão”.
O texto dizia que “com Deus foi lançada a pedra fundamental do martírio de São Cristóvão”, e trazia algumas informações de datas e nomes de autoridades da época — entre elas, o imperador romano Teodósio 2º (401-450).
Isso permitiu duas conclusões, segundo os estudiosos. A primeira delas, e mais importante, era a comprovação histórica da existência desse santo, sobre quem pouco se sabe. Ou, ao menos, a comprovação de que a veneração a sua memória é algo extremamente antigo dentro da história do cristianismo.
Em entrevista à BBC News Brasil, o escritor e teólogo J. Alves, pesquisador de história de santos, diz que embora “não haja consistência histórica” para comprovar que Cristóvão “tenha de fato existido”, ao mesmo tempo “não se pode negar sua existência” naqueles primeiros séculos do cristianismo. Alves é autor de, entre outros livros, Os Santos de Cada Dia (Editora Paulinas).
“O fato de ser venerado ao longo dos tempos como grande mártir impulsionou narrativas edificantes na Idade Média, misturando lendas e realidades”, comenta ele.
Fato é que seu nome sobreviveu aos séculos e, mesmo sem muitas informações biográficas a respeito dele, São Cristóvão seguiu sendo um santo muito popular entre os devotos.
Como ele é considerado o padroeiro dos motoristas, é comum que paróquias — sobretudo em cidades do interior — organizem anualmente uma carreata que culmina com o padre aspergindo água benta sobre carros e seus condutores.
É comum também que motoristas católicos carreguem um santinho — pequeno folheto impresso com a imagem do santo de um lado e uma oração do outro — em honra a ele na carteira, geralmente junto com o documento de habilitação.
Segundo Alves, a popularização da fama do santo pode ser atribuída ao fato dele ter sido incluído na Legenda Aurea, conjunto de narrativas hagiográficas reunidas por volta de 1260 pelo arcebispo de Gênova, Jacopo de Varazze (1229-1298).
Isto porque, explica o escritor, o documento foi “traduzido em vários idiomas e largamente difundido dentro e fora da Europa, contribuindo fortemente para a propagação do culto dos santos, por meio de exemplos edificantes extraídos de suas vidas”.
“[O trabalho de Varazze] tornou-se a base da religiosidade popular que permanece até nossos dias”, contextualiza Alves.
Também estudioso da vida de santos, o professor Thiago Maerki, associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos, cita uma outra fonte além do compilado do século 13.
“Existe um texto chamado ‘Atos de São Cristóvão’, escrito originalmente em latim e datado do século 7. É o texto mais antigo conhecido sobre a vida de São Cristóvão”, comenta ele, em entrevista à BBC News Brasil.
“Mas ele ficou mais conhecido por meio da famosa Legenda Aurea. Aí que sua história acaba recuperada e passou a se tornar muito forte durante a Idade Média.”
O cruzamento de informações de diversas lendas supõe que Cristóvão tenha nascido ou na Líbia ou onde hoje fica Israel. E tudo indica que ele tenha sido morto, martirizado, em 251, na Anatólia, hoje Turquia. Foi na época do governo do imperador romano Décio (201-251). Segundo o pesquisador Alves, as lendas também permitem inferir que ele teria vivido na Síria.
Maerki diz que, nos textos hagiográficos, Cristóvão era descrito “como um homem de aparência sombria”.
“Consta que ele ingressou ao exército imperial e, convertido ao cristianismo, anunciou sua fé aos companheiros soldados. Esta revelação fez com que ele passasse a ser submetido a inúmeras torturas”, narra o professor.
“Segundo antigas tradições, Cristóvão era um homem de grande estatura e dotado de grande força física”, pontua Alves. Tinha ele “mania de grandeza” e gostava de se vangloriar porque “servia o maior e mais poderoso rei da Terra”.
A conversão teria se dado a partir dessa história. Aquele soldado acabaria “descobrindo”, em sua fé, que o tal maior rei da Terra não era “nem o imperador romano, nem Satanás”. “Mas Jesus Cristo”, diz Alves.
Depois de batizado e “instruído na fé”, ele passou a ser perseguido pelos soldados e, contam as lendas, acabaria tendo de se refugiar “às margens de um rio de águas revoltas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário