A sentença condenatória contra o Brasil pelas mortes de trabalhadores da Fábrica de Fogos, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, em dezembro de 1998, foi publicada nesta segunda-feira (26). A tragédia deixou 64 pessoas mortas, sendo a maioria mulheres e crianças negras.
A condenação foi proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) no dia 15 de julho deste ano, durante 135º Período Ordinário de Sessões. Esta é a 9ª condenação do país por graves violações de direitos humanos.
O caso expôs as precárias condições de trabalho às quais as vítimas eram expostas. Por lei, a atividade exige fiscalização pelo Estado Brasileiro. A sentença é considerada histórica por reconhecer padrões de discriminação estrutural e intersecional para determinar a responsabilidade do Estado Brasileiro. Segundo a Corte, as vítimas “se encontravam em situação de pobreza estrutural e eram, em amplíssima maioria, mulheres e meninas afrodescendentes, quatro delas estavam grávidas e não dispunham de nenhuma alternativa econômica senão aceitar um trabalho perigoso em condições de exploração”.
O caso foi levado para OEA pela Justiça Global e o Movimento 11 de Dezembro são os representantes das vítimas no caso. Para Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global, trata-se de um precedente histórico. “Esta condenação é histórica e paradigmática para casos envolvendo discriminação de gênero e raça e sua relação com situações de pobreza. É o reconhecimento internacional da responsabilidade dos Estados de adotar medidas para proteger pessoas atravessadas por uma discriminação estrutural e interseccional”, afirma.
Dos 64 trabalhadores mortos na explosão, 63 eram mulheres. A única vítima do sexo masculino era uma criança de 11 anos de idade. Dentre as vítimas havia 22 crianças e adolescentes, com idades entre 11 e 17 anos. A maioria eram negras – dos 57 atestados de óbito juntados ao processo, 49 eram de pessoas negras, 3 brancas, e 6 sem identificação. Quatro mulheres grávidas e três nascituros também foram vítimas da explosão.
Para a Corte Interamericana, o Estado brasileiro tinha conhecimento das atividades da fábrica e não inspecionava nem fiscalizava o local adequadamente, mesmo apresentando graves irregularidades e alto risco e perigo para a vida, integridade pessoal e saúde de todos os trabalhadores. Além das irregularidades citadas, a fábrica era exploradora de trabalho infantil, o que violava os direitos ao trabalho e ao princípio da igualdade e não discriminação. A fabricação de fogos de artifício era a principal opção de trabalho para os habitantes do município, que não tinham outra alternativa a não ser aceitar um trabalho de alto risco, com baixo salário e sem medidas de segurança adequadas.
Para os familiares do Movimento 11 de Dezembro, a condenação é um marco em mais de 20 anos de luta. O Movimento é formado por familiares e sobreviventes da explosão da Fábrica de Fogos e existe para cobrar das autoridades justiça e reparação. “É uma emoção e felicidade depois de 21 anos de luta e lágrimas que o Movimento conseguiu chegar na última instância e condenar o Estado Brasileiro por essa barbárie”.
Pela condenação, o Brasil deverá adotar uma série de medidas para evitar tragédias como a ocorrida em Santo Antônio de Jesus. Dentre elas, a criação de alternativas econômicas para a inserção econômica e laboral das vítimas e familiares da explosão e a criação e execução de um programa de desenvolvimento socioeconômico destinado à população da região. A sentença também estabelece que o Brasil responsabilize cível e penalmente os perpetradores da explosão, além de determinar medidas de reparação às vítimas e seus familiares, como tratamento médico e psicológico, além da devida indenização.
Os homens trabalhavam na fabricação das bombas enquanto as mulheres amarravam os traques de pólvora. Todas as vítimas tinham entre 11 (onze) e 47 (quarenta sete) anos. Apenas seis vítimas sobreviveram a explosão.
A cidade é conhecida pela produção ilegal de fogos de artifício. A explosão aconteceu na Fazenda Joeirana. Na época do acidente, como o número de ambulâncias na cidade eram insuficientes e o município não possuía um centro para atendimento de pessoas com queimaduras, os moradores assumiram o resgate e o transporte das vítimas até Salvador, a 190 km de distância.
A fábrica de propriedade de Osvaldo Prazeres Bastos, estava registrada em nome de seu filho, Mário Fróes Prazeres Bastos. Apesar de possuir registro junto ao Exército, ela operava há anos fora dos padrões exigidos pelas normativas internas.
Durante as investigações, o Ministério Público do Trabalho (MPT) concluiu que os donos da fábrica sabiam que a atividade era perigosa, com risco de explodir a qualquer momento. A perícia da Polícia Civil constatou que a explosão foi causada pela “falta de segurança vigente no local, não somente em relação ao armazenamento dos propulsores e acessórios explosivos”. A explosão da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus resultou em quatro processos judiciais, nas áreas cível, criminal, trabalhista e administrativa, contudo, segue pendente a responsabilização trabalhista, criminal e cível pelos danos causados às trabalhadoras e seus familiares.
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